(De: Saúde mental na pandemia – 61)
Nunca falamos tanto sobre sustentabilidade. A conscientização da urgência de se pensar a vida, dinâmicas de produção, funcionamento econômico e social e a preservação do meio ambiente vem sendo debatidos constantemente.
A ideia aqui é abordar não somente a sustentabilidade relacionada ao ambiente e recursos naturais, mas também a “sustentabilidade emocional”.
Existem discussões a respeito das possíveis origens do vírus, de como devemos parar e repensar condutas- no macro e no micro cosmo- e de quanto estas vivências nos ensinarão a respeitar a natureza. Há cientistas e médicos que afirmam ser esta somente a primeira pandemia de algumas que acontecerão em série, sucessivamente. (O que é tremendamente ansiogênico…)
Embora vozes solitárias aqui e ali venham falando há tempos sobre esgotamento de recursos, aquecimento global, exploração arriscada do meio ambiente, etc, parece que só agora caiu a ficha e entendemos de maneira bastante direta as correlações entre nosso comportamento e a natureza.
Com o recolhimento humano planeta afora e cada um na sua casa, observamos efeitos curiosos:
Cangurus “passeando” nas ruas na Austrália, famílias de patos andando em estradas italianas, macacos se esbaldando na piscina de um condomínio no Rio de Janeiro; praias e rios habitados pelos espécimes pertencentes ao ambiente, golfinhos na Baía de Guanabara, chineses “descobrindo” que o céu existe (e que, às vezes, fica azul)…
Foi entre emocionante e assustador ver a natureza retornar de forma espontânea e integral.
E o que dizer a respeito do silêncio?
Como habitante de um centro urbano efervescente e populoso desde o nascimento, fui uma daquelas crianças de cidade que entendiam que o leite, a batata e o alface “vinham” do supermercado. Sem maiores questionamentos, assim como os sapatos e as roupas “vinham” das lojas.
As questões sobre origem, cadeia de produção e natureza vieram posteriormente, com a escolaridade e informação. Para um ser criado em uma cidade grande, os produtos são comprados e a natureza é aquele lugar legal para onde se vai para descansar e apreciar lindas vistas.
Mas, vamos crescendo, estudando e nos informando e então entendemos que somos responsáveis pela natureza- que corre riscos caso seja somente explorada, sugada e vampirizada, sem retorno ou contrapartida, e que precisamos fazer algo a respeito de maneira objetiva e concreta.
Caso contrário, nossos filhos, netos (ou nós mesmos) teremos secas, inundações, tsunamis e tragédias naturais garantidas e cada vez mais frequentes.
Ou seja: ou nos mobilizamos agora para uma mudança, ou pagaremos caro.
Simples assim. E a partir da pandemia isto apareceu de maneira muito clara. Sem chance de varrer para debaixo do tapete.
Além disso, ficou patente que a sustentabilidade nos envolve maneira global: a poluição na China afeta os Estados Unidos, as queimadas na floresta Amazônica tem efeitos na Europa, o derretimento das geleiras dos polos impactam todo o planeta, e assim por diante.
Em outras palavras: acabou aquele tempo em que pensávamos que cada um cuidava do seu quadrado como quisesse e ponto, e já entendemos que: se eu não fizer a minha parte, estarei prejudicando meu vizinho, e o comportamento dele também influenciará o próximo.
E o que seria “sustentabilidade emocional” ?
Até a chegada do vírus e da pandemia, muita rapidez e imediatismo.
Mando uma mensagem para um amigo e, se ele leva mais de 30 minutos para visualizar e/ou responder, eu já penso que a pessoa não está nem aí para mim ou então, que há algo sério acontecendo.
Sinto uma leve dor de cabeça, de garganta ou muscular. Tomo um remédio (o mais forte disponível) e, se 30 minutos depois, continuo me sentindo do mesmo jeito, penso que devo estar com algum problema grave.
(Importante apontar aqui uma peculiaridade: atualmente, as medicações usadas para estes tipos de mal estar têm sido desproporcionais: as pessoas estão tomando remédios bastante pesados, normalmente prescritos para males muito mais sérios, para tratar de incômodos simples.)
Seu chefe precisa te passar uma tarefa. Entra em contato e, uma hora depois ainda não recebeu um ok seu ou qualquer tipo de comunicação. Problemas à vista…
Mando mensagem para minha filha de madrugada para saber se vou buscá-la ou virá de Uber e 30 minutos depois, ela sequer visualizou. Pânico ! Ela pode ter sido sequestrada por bandidos, sofrido o “Boa noite, Cinderela” ou qualquer outra opção catastrófica.
Nesta dinâmica nos tornamos insustentáveis.
De maneira analóga ao meio ambiente, há um exagero nas demandas, um entendimento imediatista e uma premissa que: tarefas tem que ser cumpridas veloz e perfeitamente e incômodos devem ser prontamente solucionados.
Não podemos sofrer, nos sentir incômodos ou incomodados. Tudo têm que ser resolvido rapidamente. Ficamos intolerantes à frustração. Buscamos alívio e respostas positivas imediatamente.
Só que, ter sempre soluções rápidas e eficientes é irreal. Consequentemente, nos comportamos de maneira insustentável.
Se o parâmetro para a resolução do seu problema ou incômodo, for somente o tempo, teremos uma grave questão .
Antigamente, se dizia que tinhamos que “sentar sobre um problema”, que o “o travesseiro era o melhor conselheiro”.
E então, tudo passou a ser para já, para agora. Nossos problemas, têm que ser obrigatoriamente resolvidos o mais rápido possível. Não suportamos a dúvida, o “ainda não sei” ou o “preciso de um tempo”.
E isto é simplesmente insustentável.
Não temos imediata ou automaticamente sempre uma resposta para tudo; um alívio das angústias ou clareza de por qual caminho devemos ir, e não suportamos esta dúvida ou pausa. Tais incertezas são inaceitáveis.
Você tem que ter respostas, direções e definições claras; é o que se espera. E então, ou se dá um “chute” qualquer (sem base, firmeza e coerência), ou se corre o risco de passar una imagem fraca e “pouco proativa”.
Em um primeiro momento, muito de nós paramos e nos encerramos em casa. Depois alguns foram voltando lentamente. Existem ainda os que não puderam parar por falta de opção e outros que, justamente por terem a opção, se isolaram fisicamente em casa.
Estão vindo mais vacinas e vamos lentamente imunizando a população. Voltaremos em breve, mas estamos há 1 ano e quase 3 meses vivendo em outro ritmo e dinâmica.
O imediatismo, a pressa e o grande consumo em alta velocidade não foram mais possíveis. A parada e interrupção forçadas nos deram a oportunidade de ver, no aspecto emocional, a nossa própria falta de sustentabilidade: tensão constante, mal uso dos recursos e acelerado desgaste, levando ao stress constante, doenças físicas e mal estar psíquico decorrentes deste ritmo.
Oportunidade de observar o quanto tínhamos, também na esfera emocional, pouca sustentabilidade.
Portanto, podemos aproveitar a volta para inserir novos elementos: acolhimento, resguardo, cuidado, paciência e perseverança, respeitando nosso próprio ritmo e recursos internos.