(De: Saúde mental na pandemia – 51)
Você, que adora caminhar em matas e florestas, vai fazer uma trilha. O dia está lindo, céu azul e temperatura amena.
Respirando aquele ar puro com cheirinho de verde, você se sente bem e feliz mas, do nada, surge uma pequena cobra. (É pequena, mas é uma cobra).
Pronto. Acabou seu estado de graça na natureza! Em frações de segundos, o idílio cessa e seu corpo reage.
Somos seres programados para, acima de tudo, sobreviver: física, química e emocionalmente. Os mecanismos de proteção e auto preservação existem em todas as esferas para que- independente da felicidade, realização pessoal ou qualquer sofisticação de nosso estágio civilizatório- continuemos vivos.
Ameaças à nossa vida deflagram uma orquestra de reações com a função de nos garantir a existência: a circulação sanguínea se desloca para os músculos, a digestão é interrompida, as pupilas se dilatam, suamos frio, aumenta a circulação de determinados hormônios, etc. Tudo isso facilita a fuga ou luta (ou ainda a 3a resposta, congelamento). São mecanismos cruciais para a sobrevivência.
A isto chamamos de stress: a reação natural do organismo frente ao perigo, agressão ou ameaça. O corpo entra em tensão, estado de alerta, provocando alterações físicas e emocionais.
No passado remoto, todo esse processo era deflagrado pela visão de um predador/inimigo e o corpo se preparava para lidar com a situação. Estamos falando aqui de tigres, tribos inimigas ou mesmo fortes manifestações da natureza.
Atualmente não estamos expostos a tais perigos, mas nosso mecanismo de resposta permanece o mesmo.
Parece um pouco “datado” pensar que reagimos como homens pré-históricos com tanta cultura, tecnologia e vivência urbana mas, vejamos:
Celular, Waze, Climatempo, Telegram, Whatsapp, tem quantos anos de existência?
E nós? Há quantos anos habitamos a Terra?
No fim, é uma conta simples: o que nos permitiu a continuidade se mantém, e seguirá se mantendo.
Hoje, ainda que cuidados com o clima e sustentabilidade sejam imperiosos, as nossas respostas ao stress são mecanismos automáticos e bem mais antigos.
Atribulações diárias, pressões de trabalho, familiares, sociais, doenças, violência urbana, ansiedade. A lista é enorme, diversa e variante, conforme o momento e lugar.
Nosso funcionamento laboral, familiar e social, é um stress insano e contínuo: exigências incessantes de uma sociedade competitiva, comparativa e majoritamente injusta.
Somos submetidos à muita pressão e nem percebemos este padrão: durante a semana corremos para dar conta de todos os compromissos de trabalho, estudo e rotina e no tempo livre também corremos para atender aos eventos familiares sociais e até (mais pressão subliminar aqui) alguma atividade nos momentos de lazer que nos levará à “melhor versão de nós mesmos”.
Ou seja, zero possibilidade de ficar “de bobeira”, só relaxando. Até o ócio ficou obrigatoriamente criativo- o distorcemos para que se transformasse em mais produção de “ideias brilhantes”. Nem o ócio pode ser só ócio. Complicado…
Entendemos então que estamos submetidos ao stress contínuo.
E, não importa a fonte ou contexto, o stress deflagra as mesmas reações. Cômico ou triste, podemos constatar que, estar a 10 minutos do prazo final de entrega do Imposto de Renda, põe em ação os mesmos mecanismos de estar face a face com um lobo selvagem, ainda que saibamos que uma multa não vai exatamente nos matar…
Um ano e pouco depois da chegada da Pandemia ao Brasil. Números assustadora e inaceitavelmente altos. Feriadão, Lockdown. Nomes à parte, devemos ficar em casa para o bem de todos.
Mais stress, claro ! Temos medo, ansiedade, insegurança, incertezas e fadiga de isolamento.
Queremos? NÃO !!!
Estamos contentes com isso? CLARO QUE NÃO !!!
Temos alternativa? NÃO !!!!!
Portanto, se trata de administrar o stress que toda a situação nos causa.
Assim como em tantas outras situações na vida, existe o mundo ideal e o mundo real.
No mundo ideal….
Melhor nem perder tempo com isso. Claramente, não é uma opção agora.
Qualquer ser humano, entre 4 e 104 anos de idade (se não sofrer de alguma condição mental ou cognitiva) está vivenciando momentos complexos e delicados, portanto se trata de aprender a lidar com tantas adversidades e, se possível, fazer limonada, mousse de limão ou caipirinha com o que vivemos.
Em outras palavras, estamos todos estressados. É real e nossas reações, medos e instabilidades estão em consonância com o momento. Temos que equalizar destempero com tranquilidade, desespero com paz, vontade de bater em alguém com fissura por um mísero abraço.
É disso que se trata hoje, aqui e agora: reconhecer, acolher e administrar o stress, batê-lo em nosso liquidificador mental e emocional, e produzir a melhor resposta possível, equilibrando momentos de puro desânimo com alguma visão de horizonte.
Ambos são reais: estamos tristes, estressados, desanimados ou até zangados, entretanto, sabemos que existem vacinas- cada vez mais próximas de nós- bem como várias iniciativas eficientes e emocionantes de ajuda ao próximo e melhora das condições gerais.
Sabendo ser impossível negar a realidade, e idem para mudá-la- parto do princípio que se você tivesse algum poder para tal, não teria perdido seu tempo lendo este texto, escrito para seres menos “poderosos”.
Se trata de equalização. Equilíbrio.
Me estresso hoje, relaxo amanhã.
Me desespero de manhã. Me sinto tranquila à tarde.
Simples (e complexo) assim.