(De: Saúde mental na pandemia – 49)
Vivemos um paradoxo: somos literalmente dependentes de outros para sobreviver, mas temos plena consciência de nossa solidão.
Sendo seres sociais e gregários, viver em grupo foi o que nos protegeu e perpetuou.
O ser humano é a espécie potencialmente mais capaz de grandes feitos e também a mais desvalida. Precisamos de outros, literalmente, para sobreviver: ao nascer temos que ser alimentados, banhados e cuidados- concreta e afetivamente. Não andamos e não procuramos alimentos sozinhos. Falamos porque fomos expostos à linguagem e dependemos de alguém para ir à escola. Pagam pelo nosso trabalho, pagamos pelos dos outros, e assim por diante.
Somos também dependentes para o auto reconhecimento: nos entendemos e identificamos através da relação com o outro e temos ainda, as necessidades sócio afetivas- precisamos de conexão e interação.
Há diversas pesquisas sobre a felicidade: o que nos deixa feliz, quais são os pré requisitos, o que precisamos fazer para ter uma vida plena. Peculiaridades à parte, todas apontam para a existência de uma boa rede de relacionamentos em convívio e contato, além (mas, certamente acima) de propósitos e objetivos de vida.
SOLIDÃO
Dependendo da nossa personalidade, temos maior ou menor necessidade e desejo de contato. O auto conhecimento nos ajuda a perceber o próprio temperamento e, consequentemente, nossas demandas por socialização. Entretanto, todos nós precisamos de algum tempo sozinhos para refletir, “recarregar as baterias” e olhar para dentro.
Não há regra específica para o número de pessoas ou de encontros. Ficamos bem ao atender nossas próprias necessidades mas, se não as identificamos (ou respeitamos), acontece o contrário.
Você gosta de estar com muita gente? Frequentemente? Prefere pequenos grupos?Simplesmente quer estar com uma só pessoa por vez? É mais recluso? Seletivo?
Ter a resposta para estas perguntas, nos leva diretamente à 2 outras:
-Ser assim o agrada?
-Sua vida social está em sintonia com seu jeito de ser?
Se sua resposta for sim para as duas, tudo certo e neste momento se trata de (mais) adequação à situação até que as barreiras sejam levantadas.
Caso a resposta seja não para uma ou ambas, aqui vão dicas de pequenos passos.
(De qualquer maneira, boa parte delas pode ser útil nas 2 situações, pois estamos afastados e mais sozinhos agora…)
Tempo
Dedicar parte do seu tempo a atividades com outros: em família, amigos ou mesmo sozinho- há pessoas que, morando sozinhas, jantam junto com outras, assistem filmes, ou participam de jogos em vídeo chamadas.
Cozinhar, arrumar armários, jogar, ver filmes, até trocar os móveis de lugar e fazer pequenas mudanças com as pessoas que estão vivendo com você.
Contato
Se você deseja ou precisa interagir com mais gente, pode fazer contato de maneira intencional e pragmática. Se incumbir de, por exemplo, mandar mensagens ou telefonar para 2 pessoas por semana. (E, se não te derem bola, parta para outros contatos. Alguém vai ser receptivo e você ficará satisfeito, acima de tudo, por ter agido.)
Aumentar seu círculo
Você tem menos pessoas do que gostaria? Entre em algum curso, atividade, roda de conversa, trabalho voluntário. O momento é tremendamente favorável e a exposição à distância mais suave, caso você seja introspectivo ou tímido.
Lazer
Individual ou coletivamente assistir filmes, programas, shows, ler, “viajar” para países distantes, “visitar” museus, etc, são alimentos para o cérebro, espantam a solidão e nos enriquecem para futuras interações.
SOLIDÃO OU SAUDADE?
Difícil definir. Possivelmente ambos.
Estamos há muito tempo em distanciamento físico e isto traz saudades de tantas coisas: contato, abraços, encontros presenciais, celebrações e estas faltas aumentam a solidão.
Fazer isso de maneira concreta; se programar e planejar horários, pois o “daqui a pouco”, ou “em algum ponto do fim de semana”, vira nunca neste momento de dias e horários “borrados”- já não é mais tão nítido que hoje é Sábado ou 4af, que são 19h ou 3h da madrugada…
Isto tudo pode parecer forçado ou pouco natural…
E é mesmo!
Neste momento tão difícil com medos e notícias tenebrosas e nosso corpo pedindo posição torta- de preferência na horizontal- abastecido com pizza, chocolate e alienação e desejando fazendo pouco movimento, o desafio é imensamente maior.
Temos certa idealização da motivação e espontaneidade. Tem que ser de dentro para fora: eu espero ter vontade para fazer.
Embora verdadeira, esta não é a única maneira. Existe também uma circularidade: fazemos movimentos que geram reações (nossas e externas) que provocam mais movimento e assim por diante.
A tão valorizada motivação é muitas vezes, bastante teórica e nos falta justamente quando mais precisaríamos dela.
Tive uma tia avó muito, muito querida que, sempre que alguém dizia: “Não tenho fome para almoçar agora”, respodia: “Comece a comer que a fome virá”. (E acontecia, na maioria dos casos!)
Simples assim…