(De: Saúde mental na pandemia – 59)
Você sai do trabalho exausta. Sente leve vontade de ir ao banheiro, mas deixa para quando chegar em casa. Leva mais tempo do que imaginava; trânsito horrível e ainda se lembra que precisa comprar algo na farmácia ao lado. Faz tudo isso ficando cada vez mais apertada, mas é somente no caminho entre a porta de casa e o banheiro que a necessidade beira o insuportável.
Está na cadeira do dentista fazendo um procedimento. Ele vê sua expressão de sofrimento e diz: “Já estou terminando. Só mais um pouquinho !” E o “pouquinho” te parece interminável…
Dirigindo na estrada e já com fome, resolve ir até aquela lanchonete que gosta mais, mesmo sendo mais longe. Chega lá e faz seu pedido mas, até a comida chegar, você fica de olho nos garçons, pensando que foi uma ideia idiota- não aguenta mais e já está com dor de cabeça de fome.
É a saturação.
Necessidades, pausas ou carências adiadas. Demandas, desejos e vontades proteladas pela situação.
A realidade nos pára e impede. Você quer, mas não pode. Você deseja, mas não dá. Você adoraria, mas é péssima ideia. Você até arriscaria (tamanha a sua agonia), mas seria contra o seu próprio julgamento e o dos outros.
Nos sentimos saturados, no limite; a um passo de “chutar o pau da barraca” e somente parar de nos distanciar sem ligar para mais nada, mas a consciência fala mais alto.
Atualmente, há muita gente dizendo coisas como: “Já fiz a minha parte”, “Já dei minha contribuição” ou mesmo, “Já é tempo demais. Chega !!”
Como se a decisão pessoal de manter ou afrouxar o próprio comportamento não tivesse repercussões maiores. Ou como se fosse unicamente questão de foro íntimo precisar em que momento podemos parar de cuidar- de nós mesmos e de outros, e “voltar à vida normal”.
Mesmo chegando cada vez mais perto desta possibilidade, estamos saturados. Não aguentamos mais !
Isto é natural. Com o tempo, vamos ficando esgotados e nos percebemos no limite. Pode parecer impossível aguentar mais um pouco e chegar lá.
Porém…
Há uma distância enorme entre nossos impulsos, o que desejariamos fazer e o que, de fato, decidimos fazer, mesmo com todo o cansaço e frustração.
Até alguns meses atrás, vacinas em curto prazo eram miragens, ilusões. Mais pensamento positivo do que possibilidade. Dizíamos -porque sabíamos e pensávamos- que levaria pelo menos uns 3 anos até completar todo o protocolo necessário.
Contudo, a dedicação, esforços contínuos, incansáveis e determinados de cientistas e técnicos mundo afora, fizeram com que algumas vacinas surgissem. Quase um milagre. Impensável e inimaginável.
Temos, também o enorme benefício da Internet para a conexão laboral, social, substituindo até nossas pernas e bocas para comprar- desde comida até aquele livro desejado.
Ou seja, temos um horizonte. Terra à vista: vacinas aqui e mais a caminho, países que estão em fases de reabertura e perto da vida normal.
Mas, paradoxalmente, quanto mais aceitamos, nos acostumamos e adaptamos à realidade (e consequentes limitações), mais insustentável nos parece…
Obviamente não temos como mensurar e prever quanto tempo falta para voltarmos ao funcionamento minimamente parecido com o que conhecemos e dominamos, mas está claro que isto está muito mais próximo do que antes nesta Pandemia.
E muitas vezes, quanto mais perto de terminar, mais difícil fica de suportar.
Estamos exaustos; nossa força e paciência esgarçadas. Isto é real. Mas estamos cada vez mais próximos de uma solução, de uma volta. Isto também é real.