(De: Saúde mental na pandemia – 57)
“Que dia do mês é hoje mesmo?Já nem sei mais…”
“Achei que tinha ligado para ela na semana passada mas, na verdade, foi há 1 mês atrás…”
“No tempo em que ficou internada, minha avó dizia estar esperando a mãe dela chegar para visitá-la…”
A Síndrome de confinamento é um estado de confusão mental em pessoas (comumente mais velhas) isoladas pontualmente, acontecendo no contexto de internação para algum tratamento.
Uma pessoa idosa internada em hospital por vários dias ou eventualmente semanas, pode se desorientar e apresentar sintomas aparentemente psicóticos.
E isto passa quando ela volta para casa. Parece vir do nada e ir embora do mesmo jeito.
Em ambientes hospitalares o indivíduo sai de seu lugar conhecido, veste a camisola do hospital e é imediatamente separado de seus pertences. Deixa seus objetos de uso pessoal no armário: relógio, aliança e até aparelhos de audição, lentes de contato ou óculos para poder ser acessado para atendimento pela equipe.
Isto os desnuda, literal e figurativamente; ficam, inclusive, sem cuecas ou calcinhas. O corpo, sem impecilios, disponível para uma eventual e necessária intervenção.
É procedimento padrão e inquestionável. Hospitais são, na maioria das vezes, como trincheiras de guerra- ocorrências, urgências e surpresas que obrigam os responsáveis a tomar decisões e agir rapidamente.
Tudo isto para dizer que há situações onde perdemos o contato e acesso às nossas referências e isto pode abalar as estruturas psíquicas.
Há relatos muito interessantes de astronautas que apresentaram distúrbios psicológicos e até psiquiátricos, ao voltar de um período no espaço. Tal separação- ver a Terra ao longe, nosso “Planeta Azul” tão distante, abalou a estrutura mental destes indivíduos.
Dá para entender. Parecem vivências surreais.
O que alguém deve pensar e sentir ao ver toda a sua vida- país, cidade, casa, família como um grão de areia no espaço???
Há 1 ano, 3 meses e 27 dias precisamente, deixamos nossas referências- de rotina, funcionamento, compreensão e entedimento, para embarcar em um modo confinado, instável e estranho.
Quem pode com isso ???
Tudo aquilo que nos orientava, organizava e fazia sentido, mesmo com suas contrapartidas, foi demolido. Ou, na melhor das hipóteses, colocado em suspensão.
Devido ao próprio isolamento, estamos todos privados de nossas rotinas, orientações e entendimentos sobre a vida. Tudo o que nos pautou até aqui está, além de interrompido, questionado.
E a eventual síndrome de confinamento, previsível em situações de internação, por exemplo, passa a ser o nosso dia a dia. Aqueles que podem, ficam em casa restringindo qualquer saída. E os que não podem, trabalham e retornam à casa, mas não socializam.
Hoje é 3a, 6a ou Domingo?
Mais um termo para a atualização: “blursday”. Dias borrados, nos quais não fica claro em qual dia se está; são dias, semanas e meses que se parecem e ficam misturados.
Podemos pensar em um transtorno ou síndrome transitórios: estamos confusos, misturando dias da semana ou meses devido à instabilidade e perda de referências tal como as conhecíamos.
Isto passará quando as nossas referências forem restauradas? Nos sentiremos orientados quando a rotina voltar ao modo anterior? Ficaremos bem?
Nos questionamos sem obter respostas precisas. Impossível saber como cada um reagirá após o isolamento.
Seremos mais alterados, transtornados ?
Mais resilientes e resistentes ?
Nenhuma das respostas acima ?
Não temos certeza mas, sim, sabemos que a melhor opção se encontra dentro do espectro “imponderável”, em algum ponto entre memórias negativas (ou até traumáticas) e alívio pelo fim das restrições.
Quanto mais responsivos estivermos ao que nos ocorre- dentro de nós mesmos e em nossa volta, mais natural e adaptativo será o resultado.
Complexo assim. Real assim…