(De: Saúde mental na pandemia – 68)
Fomos criados para sobreviver. Nossa programação, DNA, chip, é orientada para a auto preservação e manutenção da vida acima de tudo.
Diante de ameaças, mecanismos de proteção são rapidamente acionados- fuga, luta ou congelamento e isto é tão instintivo que não planejamos. Somente respondemos imediatamente.
Quando o organismo se prepara para o enfrentamento, todo o funcionamento corporal é recrutado: o direcionamento do fluxo de sangue, aumento de batimentos cardíacos, suspensão do processo digestivo, dilatação da pupila, suor frio e demais mecanismos são envolvidos, aumentando a eficiência na luta para sobreviver.
O mesmo processo se dá para a possibilidade de fuga permitindo a impulsão e aceleração necessárias para escapar.
E na resposta de congelamento, a paralisia automática também pode ser protetora. Por exemplo, animais que certamente nos matariam numa eventual luta podem somente nos rodear, cheirar e ir embora se estivermos imóveis.
Todas são reações muito, muito rápidas. Na grande maioria das vezes não pensamos: vou fazer isto ou aquilo. Apenas fazemos e depois nos damos conta e aí então podemos até nos assustar com a maneira como reagimos e eventualmente ter reações físicas em seguida, sequelas do processo: desmaio, tremedeira, dores musculares.
Estes mecanismos são fisiológicos, mas o mesmo princípio de preservação e defesa também ocorre em processos psíquicos e emocionais, dentro das possibilidades de funcionamento destes sistemas e das peculiaridades de cada indivíduo. De qualquer maneira, o objetivo primordial é sempre o mesmo: sobreviver.
É interessante pensar que, análogo à febre- sinal de nosso corpo reagindo e tentando combater uma infecção, os sintomas mais subjetivos também são sinais reativos.
De forma bastante simples, aqui vai um exemplo: o ambiente de uma criança é tremendamente hostil e agressivo; a ameaça paira física e emocionalmente. Dependendo de suas condições inatas, ela pode se comportar também de forma raivosa ou se tornar “invisível”- falar e se manifestar pouco e assim escapar do radar de violência familiar. Segue se preservando mas, tempos depois e em outras situações, estes seus comportamentos trazem problemas, aparentemente sem sentido ou conexão.
São sequelas. Foram defesas que a protegeram no passado, mas hoje podem prejudicar novos relacionamentos: afetivos, familiares, sociais, profissionais.
Estamos vivendo a pandemia no Brasil desde Março/20. A doença em si pode ter sido branda para uns, mais difícil para outros até mais graves em certos casos.
O que vêm chamando a atenção cada vez mais agora são as consequências da Covid. Em termos físicos, há uma gama de alterações, sintomas e expressões, com intensidade e duração que variam para cada um.
Foi publicado recentemente um estudo americano apontando que 25% dos indivíduos recuperados de Covid apresentavam algum tipo de seqüela- não necessariamente séria e também independente da infecção anterior ter sido grave.
Ou seja, 1/4 das pessoas que contrairam a doença necessitam de cuidados, tratamentos ou simplesmente atenção. Neste último caso, é estar ciente que são resquícios sem maiores problemas e irão embora depois de um tempo.
Há pessoas que passaram pela doença de forma mais severa- foram hospitalizadas, correram risco e saíram debilitadas, precisando de fisioterapia intensiva.
Algumas pessoas, mesmo não internadas, tiveram sequelas temporárias que também demandaram cuidados e tratamentos.
E ainda outras que, mesmo tendo a infecção de forma mais branda e tranquila em casa, relataram sintomas diversos posteriormente: lapsos de memória, queda de cabelo, problemas de pele, certo cansaço, lapsos de memória, baixa energia.
Abordando especificamente aspectos psíquicos, o período de pandemia foi (e continua sendo) muito difícil para todos e as sequelas emocionais não ocorrem somente em quem teve a Covid.
Naturalmente, aqueles que adoeceram de forma grave, correndo risco de vida, estiveram mais suscetíveis emocionalmente também. Porém, pessoas que tiveram a doença possivelmente viveram dias de tensão e expectativa até que a quarentena passasse.
Aqueles que não foram infectados, mas perderam parentes, amigos e conhecidos, foram muito impactados. Os que acompanharam o desenvolvimento da doença de pessoas que se recuperaram também sofreram com preocupações e angústias.
E, de modo geral, todos nós estamos vivendo momentos de muita ameaça, insegurança, imprevisibilidade e ansiedade na Pandemia.
A incerteza, instabilidade e o medo em relação ao presente e ao futuro, somados ao isolamento e restrições, produzem grande mal estar que, de forma longa e contínua, pode nos levar também ao adoecimento psíquico , agravamento de condições preexistentes, ou “apenas” ser uma vivência de um período dramático, deixando sequelas emocionais.
Depressão, ansiedade em níveis extremamente altos, pânico, hiper reatividade e sensibilidade, além de recaídas ou intensificação de compulsões, dependências e transtornos anteriores têm aumentado muito.
O que fazer com isso??
Embora não exista uma receita aplicável à todo e qualquer caso- afinal, somos diferentes, há medidas possíveis e úteis:
• Encarar e acolher o que sentimos: ter consciência dos sentimentos de insegurança, ameaça, medo, de estados de humor oscilantes e ansiedade, compreendendo que são reações à realidade que atravessamos.
• Ter auto compaixão e empatia: aceitar nossa própria vulnerabilidade e desamparo diante da situação e entender que as pessoas em volta certamente sentem o mesmo.
• Buscar ações e interações positivas: atividades que promovam e aumentem o seu bem estar, procurar e manter contato com quem te quer bem (e te faz bem).
• Ajudar quantos e como você puder: qualquer tipo de trabalho voluntário que leve recursos, conforto e auxílio à quem precisa, lhe fará muito bem.
• Procurar ajuda profissional se necessário: percebendo alterações fisicas, pensamentos negativos e perturbadores ou emoções com as quais não consegue lidar sozinho, busque os profissionais adequados.
• E, finalmente, lembrar-se que vai passar.