PRECONCEITO (CONTRA TERAPIA)
Você tem febre e moleza.
“ Vá deitar um pouco. Talvez seja Covid…”
Torção do pé descendo da escada ao guardar livros antigos.
“Faça uma compressa e se não melhorar vamos ao médico e radiografamos…”
Dor de cabeça forte.
“Tome um analgésico e fique deitada que deve melhorar…”
Desânimo horrível, vontade de nada. Quero passar o dia na cama…
“Deixe de enrolar e levante de uma vez !! Está achando que a vida é mole ???”
Um dia me sinto eufórica e acho que posso fazer mil coisas. No outro, nada faz sentido e tudo o que projeto parece inútil.
“Tá maluca, mulher? Pare de dizer besteira e mande logo o trabalho para o chefe !! Se ficar de onda vão te demitir !!”
Olho para o prato de comida. Barriga roncando de fome e choro porque me tortura pensar nas calorias que vão aumentar meu peso.
“Quanta bobagem e,… magra desse jeito ?!? Sabe quanta gente passa fome e daria tudo por esta refeição??”
Compreensão e empatia absolutas quando tratamos de problemas, mal estares físicos, objetivos.
Mas, a reação é oposta quando são questões vagas e mais subjetivas.
Impressionante que em 2020, quando estamos tão abertos a discutir e combater preconceitos raciais, religiosos, sexuais e tantos outros, o que é da esfera psíquica, emocional, ou mesmo psiquiátrica, continue sendo diminuído e sofrendo tamanha rejeição.
Dificilmente alguém te dirá que é “frescura” ou “maluquice” quando você manifesta dor, incômodo ou alteração física, mas quando relata pensamentos, sentimentos ou emoções estranhos, sem motivo aparente, a reação é outra…
Infelizmente, existem enormes preconceitos a respeito de questões emocionais.
Mesmo atualmente, quando já debatemos pontos outrora tão carregados de conotações negativas, os profissionais da área de saúde mental continuam ouvindo coisas como:
“Vim procurar tratamento apesar da minha mãe/filho/família achar que isso é coisa para maluco e não sou maluco…”
“Estou aqui, mas minha família/marido/pais não sabem, se não dariam um ataque dizendo que terapia é charlatanice e que não preciso disso…”
Entendemos de forma natural problemas de saúde física, mas quando falamos de emoções, sentimentos ou pensamentos, estes são às vezes relacionados a “falta de força de vontade” ou, pior ainda, “fraqueza de caráter”.
Nós, seres humanos, somos tão vivos quanto outras espécies, mas uma de nossas principais distinções é a capacidade de pensar, analisar, discernir, ter auto consciência. E isto é para o bem e para o mal.
Outros seres vivos operam no modo sobrevivência, instinto e desígnios naturais.
Nós também. Porém pensamos, temos auto consciência e sentimentos- ligados às memórias de vivências anteriores, ao que experimentamos agora e sobre as projeções para o futuro.
Ou seja, além da determinação da sobrevivência para garantir nossa manutenção, pensamos e nos afetamos a respeito. Novamente, de maneira positiva ou negativa.
Somos marcados pelas vivências emocionais dos primeiros anos. As experiências são imprimidas em todos os níveis. Criamos crenças (fechamentos) para lidar com o que nos ocorre e seguimos.
Seguimos, mas o que vivenciamos cobra seu preço, atraso ou atualização e, para algumas pessoas restam questões mal resolvidas do passado, problemas no presente ou vulnerabilidades.
De modo análogo à contas que tiveram seu pagamento atrasado, o emocional que ficou para trás apresenta a conta com juros, multa, etc.
Neste ponto, que tal um pouco de abertura e empatia -do mesmo modo que temos para lidar com tantas outras questões - para considerar pontos mais subjetivos como parte de nosso ser integral ?
Somos seres que funcionam tanto de forma primitiva- instintos básicos- quanto em nível mais sofisticado: consciência, pensamento, discernimento.
Vamos integrar, respeitar e cuidar do que a natureza nos deu?