(De: Saúde mental na pandemia – 55)
“A internet caiu 10 minutos antes da minha apresentação. Aí surtei…”(Ficou muito nervosa e alterada, mas não surtou. Surto é outro outro departamento. )
“Estou deprimida: engordei 3 quilos e não entro mais nas minhas calças…” (Ficou muito chateada com o aumento de peso. Depressão é outro departamento).
“Ontem tive uma compulsão: comi um pacote inteiro de biscoitos e uma barra de chocolate em seguida…”. (Foi um exagero mas, tecnicamente, compulsão também é outro departamento).
“Acho que sou bipolar, mudo de humor direto…” (Você está oscilando como todos nós, frente aos acontecimentos reais. Bipolaridade é… outro departamento ! ).
Frequentemente dizemos coisas assim.
Ou ainda:
“Surto regularmente; ao menos 3x por semana quando lembro do que está acontecendo, e também quando esqueço momentaneamente o que estamos passando.”
“Surto porque estou apavorada, ansiosa, saudosa ou mesmo feliz com pequenas coisas. (Claro! Como alguém pode estar contente em tempos tão sombrios !?! Só se estiver louca !!)”
“Surto porque não aguento mais tanto distanciamento. Porém, não consigo me imaginar saindo de casa sem sentir medo fazendo isso. Também acho que, além de mim, os outros também não saberão mais como interagir.”
“Surtarei quando tudo voltar ao funcionamento normal porque não saberei mais como conversar olhando nos olhos de alguém à minha frente, socialmente, em grupo. Perdi o traquejo até para as conversinhas de elevador, de sala de espera de consultório ou em rápidos diálogos com estranhos.”
“Surtarei ao rever as pessoas e eu não puder esconder que não fiz o que deveria: ignorei o distanciamento social e saí sempre que tive oportunidade (e só não postei nas redes por medo do julgamento).”
Embora pertencentes às ciências da mente, certos termos técnicos da Psiquiatria e da Psicologia, vêm sendo usados corriqueira e coloquialmente. São, análogas à licença poética, rotineiras, discursivas ou, simplesmente, “populares”.
Fácil de entender: diferentemente do que acontece em outras ciências, as emoções e sentimentos são universalmente vivenciados por todos nós.
Não discorremos sobre engenharia, astronomia ou direito se não somos da área, porque não entendemos nada a respeito e não nos atinge no dia a dia.
Mas, independente de formação, estudo ou área de trabalho, somos afetados, impactados e impressionados emocionalmente por tudo o que vivenciamos. Dentro de nós mesmos e ao redor.
E, convenhamos que o ambiente anda bastante alterado, “fora da ordem”, como diz a música.
Daí para acharmos que nós estamos estranhos, diferentes, esquisitos, ou mesmo “ligeiramente” enlouquecidos é um pulinho.
Organismos vivos são afetados pelo ambiente- dos mais resistentes aos mais sensíveis. Rochas são esculpidas e perfuradas pela natureza ao longo dos anos. Quem já teve oportunidade de admirar dunas, falésias, cavernas e formações do tipo, entendeu de maneira gráfica, o efeito do ambiente sobre os materiais mais fortes.
Então, quem dirá sobre nós?? Seres tão sensíveis e dependentes, desde o nascimento até o fim…
Pedras não choram, ursos não pensam em sua finitude e a camada de ozônio não sofre com a ameaça à sua manutenção pois não têm a sofisticação da consciência, pensamento e a possibilidade de dialogar com medos e inseguranças.
Um ano, um mês e 10 dias desde os primeiros decretos. Para uns, foi um período de intercalação entre isolamento e alguma abertura. Para outros, está sendo um distanciamento contínuo, e ainda há um grupo que parou de seguir as restrições em algum ponto no mesmo tempo.
Independente da situação e escolha de cada um, não está normal para ninguém.(Naturalmente, à exceção de quem sofre de grave problema neurológico, cognitivo ou psiquiátrico.)
Impossível.
De jeito nenhum.
Ou seja: de verdade, está difícil para todos.
Dramático e traumático para uns, muito assustador para outros, ou “somente” muito estranho ou esquisito, no melhor dos casos.
Mas, não está normal, bom ou ok.
Para ninguém.
(Arrisco dizer que nem para os amorais e imorais que porventura estejam fazendo fortuna, aproveitando a Pandemia para fazer negócios escusos. Afinal, há pessoas importantes para eles que correm risco, o risco ao que todos os mortais estão sujeitos agora…)
Importante dizer, novamente, que há métricas e parâmetros para se definir alterações psicológicas e psiquiátricas: sintomas (quantidade), intensidade, tempo.
Além disso, a realidade em volta é parte fundamental: em tempos de guerras, pandemias, ameaças ou catástrofes naturais, alterações (reações) são esperadas e estão, na maior parte das vezes, em consonância com a realidade.
Mas, alterações de comportamento e reações observadas dentro da rotina e sem nenhum motivo ou evento importante, chamam a atenção.
Estes são fatores que determinam se há uma doença ou transtorno em curso, e devem ser diagnosticadas por profissionais.
Portanto, se você se desestabiliza a cada tanto, em momentos fica bem, em outros não quer sair da cama, se sente apática, estável, irritada, à beira de um ataque de nervos, tranquila ou mesmo feliz, alternando entre alguns estados por dias ou horas, lembre-se que você está somente reagindo de acordo com o momento.
E que isto passará. Oscilando a cada tanto, vamos aliviando a pressão para seguir adiante.