(De: Saúde mental na pandemia – 52)
Estou farta de ficar em casa, triste de solidão, angustiada com a situação e precisando socializar.
Saio para um evento com amigos e me faz super bem mas, dias depois, fico doente. Também levo para casa sem saber e, minha irmã, pai e avô também adoecem.
Meu plano de saúde é “top” e posso pagar pelo médico, mas não há vagas no hospital. Morro esperando por uma vaga ou na própria UTI, se chegar até lá.
Um garçom, trabalhando no evento em que eu estive se contamina e, também sem saber, passa para a mãe e mais 3 pessoas. Morre em casa mesmo, porque não há vagas no hospital público.
O motorista que dirige o ônibus (lotado) que o garçom pega também cai doente e, em seguida, sua mulher e um filho adolescente. Ele tem mais sorte, e após 4 dias na maca de uma UPA improvisada, se recupera.
No mesmo evento, uma amiga sofre um tombo e quebra um osso. Felizmente, consegue realizar a cirurgia necessária. Volta para casa 2 dias depois, mas com Covid (provavelmente infectada no hospital), e também transmite para o namorado e parte de sua família.
Na verdade, nenhuma destas pessoas poderia definir com certeza de quem pegou ou quem contaminou quem. Aqui no Brasil onde não estamos testando, acompanhando e, devido à superlotação, sequer tratando todos, imagine rastrear…
Neste momento, aqui está a diferença entre viver e morrer: sair e arriscar sua vida e a de outros e então contar com ter sorte e eventualmente um atendimento e (com a imprevisibilidade de) sobreviver.
Ou não…
Isto já acontece com aqueles que precisam sair de casa. Estes também contam com a sorte, porém não tem escolha…
Faço aqui um apelo:
Por favor,
Fique em casa e não saia !(Mantenha distanciamento físico!)
Use máscaras o tempo todo se estiver fora de sua casa !
Tome a vacina quando chegar a sua vez no calendário !
Há pessoas que são obrigadas a sair para trabalhar. Não podem fazer isso de forma remota ou atuam em setores essenciais (e presenciais) que não podem parar.
Muitas usam transportes coletivos lotados, contando com as demais terem a consciência de usar máscaras a caminho e no próprio trabalho. Estas pessoas vão com medo, mas não tem opção.
Também há aquelas que precisam sair para auxiliar outras que necessitam de ajuda.
Se você não estiver em nenhuma destas 2 situações, por favor fique em casa pelos próximos dias !
Ao menos até que os números caiam e os hospitais saiam da superlotação. Assim, pacientes com Covid, feridos em qualquer tipo de acidente, pessoas com outras doenças, mal estares, etc poderão voltar a ser atendidos.
Estamos todos instáveis, tristes, prejudicados, preocupados e fartos, mas o momento é gravíssimo e situações extremas demandam respostas mais radicais.
Temporariamente. Pelos próximos dias.
Está diariamente nos jornais, TV e Internet- nacionais e internacionais- em reportagens sobre a situação no Brasil:
Números diários de novas contaminações e de óbitos assustadoramente altos, com previsão de aumento. Sistema de saúde em colapso com profissionais de saúde em desespero, exaustos. Adoecendo física e emocionalmente e alguns até se demitindo para sobreviver.
Sabemos que não é possível paralisar a economia por um longo tempo.
Sabemos que causa prejuízos: perda de trabalho, fome, deterioração da saúde física e mental, social, da escolaridade. Todos incomensuráveis.
Sabemos que há milhões de pessoas no Brasil, país de tantas desigualdades estruturais (desde sempre), em situação desesperadora.
Sabemos que é revoltante que em nosso país que tem tradição e eficiência em campanhas de vacinação em massa dignas de exemplo e exportação para o mundo, tenhamos uma proporção tão pequena de pessoas imunizadas.
Em números absolutos é bastante gente, mas nossa população é imensa e corresponde à soma de alguns países europeus, por exemplo.
Mas, também sabemos que as vacinas existem, estão sendo aplicadas e mais delas chegarão aqui. É muito importante reconhecer o quanto isto é extraordinário, pois há poucos meses atrás, parecia algo há anos de distância de acontecer…
Porém precisamos conter agora o aparecimento e disseminação das variantes- decorrência natural de aglomerações e não cumprimento das medidas recomendadas por médicos e cientistas.
O vírus prolifera e se fortifica com novas mutações. Como qualquer organismo vivo, funciona em auto preservação e reprodução- exatamente como nós.
É a tempestade perfeita para o vírus: quanto mais próximos estivermos uns dos outros fisicamente, mais forte e mutante ele se tornará, criando variações novas e mais agressivas.
A economia está em frangalhos; miséria, doenças fisicas e psíquicas (associadas à Covid ou só não sendo atendidas por causa dela) e violência doméstica, consumo abusivo de álcool ou outas substâncias, que aumentaram e seguem subindo.
Ainda não sabemos até quando ou para onde isto nos levará nem quanto tempo e esforços serão necessários para tratar de tantas sequelas, mas há um ponto. Um só ponto inquestionável:
Precisaremos estar vivos para tal !!!!
Mortos não trabalham.
Pessoas gravemente doentes não trabalham.
Enfermos em tratamento para as sequelas da doença não trabalham.
Os que fazem parte de grupos de risco não trabalham.
Pessoas destroçadas pela perda de parentes não trabalham.
E o clima de medo, instabilidade e incertezas, interfere no funcionamento físico e mental daqueles que ainda trabalham.
Houve algumas guerras na história humana e doenças devastadoras; tempos e vivências que não se apagaram, deixando cicatrizes profundas, mas só foi possível tratar, curar e recuperar e desenvolver economia e pessoas combalidas e direcionar esforços e recursos para os vivos, para quem sobreviveu.